Esponja, Liquidificador e Concha

por Misha Gibson que quer ser mais liquidificador

171 Todo Dia

Terça, 04 De Março De 2014 ás 06:00

Esponja, Liquidificador e Concha

Esponja, Liquidificador e Concha

Aí esses dias eu estava pensando com os meus botões. Queria tomar um picolé. Eu geralmente gosto dos de frutas, ou aqueles com chocolate amargo. Mas, não.... Tinha que querer um daqueles que só criança pra aguentar. Por quê?

Aí, eu estava lá pensando que tem dias que eu trabalho até mais tarde porque estava com coisas acumuladas. Mas, olha, nem era assim um desarvoro. E quando precisou mesmo, eu estava cansada. Por quê?

Aí eu lembrei que um dia me pediram para levar um café na mesa. E eu levei, porque eu estava indo na direção e depois ia ter que voltar. Custava o quê?

Aí eu lembrei que um dia eu me calei porque eu achava que amava. E a minha omissão custou caro, custou traumas, custou cicatrizes. Eu, que geralmente sou a dona do verbo. Calei. Por quê?

E aí eu pensei que eu levei bolo de chocolate para o meu pequeno porque eu queria fazer um dengo. Mostrar que eu me lembrei dele, que apesar de chamar atenção, brigar por causa da bagunça ou por causa da lição, ele é o amor da minha vida. Um presentinho não vai estragá-lo para o resto da vida.

E tem as pequenas coisas: é uma gíria nova, uma música, um gesto, uma gentileza e até um mau hábito. Somos influenciados por nosso meio. As pessoas nos afetam, as pessoas nos modificam.  Eu só tenho uma dúvida com relação à métrica desta permissividade. A gente permite na mesma extensão da nossa confiança, amor, quiçá franqueza. E se - e se - isto tudo for sinal de uma fraqueza?  A teoria da esponja que absorve tudo e não passa de apenas um invólucro para receber o que se vê. E aí vale se cercar das pessoas mais inteligentes, amorosas, corajosas, simples e finas para adquirir o melhor delas?

Será que estou sendo por demais radical? Ah, não... Não é que eu seja esponja ou papagaio de pirata. É que a gente tem que experimentar por si o que o outro carrega como seu para processar, misturar e tirar outra coisa que é faz parte de si mesmo. Será? O que tirei de conclusão do picolé, das horas do trabalho e da omissão? Perdi mais ou ganhei mais?

Ah, mas também não estou dizendo que preciso virar concha, contida em mim mesma. Guardando a pérola da minha vida e expelindo qualquer possibilidade de permutação. Não é questão de não deixar ninguém entrar. É questão de fechar-se em si mesmo, ermitão. Como se se bastasse em si e para o inferno o resto.

Qual é o tom, então? E não me digam do caminho do meio. Caminho do meio não há aqui. Ou você se permite ser afetado, ou se fecha. Mas, em ambos os casos, o perder-se é inevitável. No primeiro caso podemos nos perder de nós mesmos e as vezes não se tem nem para onde voltar. No segundo caso, podemos nos perder em nós mesmos. Não sei se quero ser esponja. E não sei se quero ser concha. Liquidificador me parece mais sensato. Ou só estou tentando justificar o injustificável?

Incidental: Runaway bride, filme de 1999 de Garry Marshall


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