Me inclua fora dessa

por Misha Gibson, que detesta separatismo

171 Todo Dia

Terça, 28 De Outubro De 2014 ás 06:00

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Juro. Eu queria de verdade falar de coisas mais amenas. As duas últimas semanas foram muito tensas devido ao momento em que vivemos e seria bom conversarmos sobre coisas menos sérias e mais triviais. Mas, hoje eu preciso falar de exclusão. Se você preferir, posso falar sobre os -ismos que praticamos sem saber porque dá na mesma. Ou, se você achar que falar sobre isso é bobagem, que no nosso cotidiano isso não existe e não é sentido, posso falar sobre classificação, sobre comparação e o que nos diferencia. Qualquer nome que se dê para o assunto, é tudo farinha do mesmo saco. Viu? É assim que a gente começa a falar sobre o assunto, colocando todas as coisas sob o mesmo microscópio e dizendo que no princípio tudo era igual.

Somos todos iguais perante a lei, mas os homens são diferentes das mulheres. Todos temos uma religião, mas cada religião tem sua particularidade. Todas as crianças são iguais, mas o meu filho tem uma aptidão maior para esportes. Todos os brasileiros são filhos desta nação, mas os nordestinos são preguiçosos, os sulistas são todos gaúchos, os gaúchos são todos de Pelotas, todos os cariocas são malandros e todo paulista é mauricinho. Ah, a gente pode falar também que todo negro gosta de pagode, todo branco gosta de ópera, todo oriental é nerd cabeção. Não? Ah, então todo negro é pobre e não tem oportunidade, todo branco é elitista, todo oriental vai pegar a tua vaga - qualquer que seja ela, porque ele é mais inteligente. Pronto. Tudo definido e tudo separado.

Aí, são eles e nós. Ou, eles e eu. Eles lá e eu cá, seja bem dito. O bem e o mal. Nunca o meio, nunca o misturado, nunca a mesma coisa, nunca mesma equipe, nunca pessoas, nunca Darth Vader, sempre Luke Skywalker ou Imperador Sith. É eu sou dessas. Nerd. Eu gosto de tecnologia, trabalho com informática, o império de homens, e geralmente, só eu de mulher. Não estou reclamando, de vez em sempre é bom trabalhar com homens. É simples e geralmente mais fácil. Mas, tem dias que o trabalho é eles todos contra mim. Eles todos me excluindo. Porque eu sou mulher. Ou porque eu sou oriental, e como membro da equipe, sou o único representante oriental. Ou porque eu sou.... eu? E nesses dias, em que eu me sinto completamente sozinha, um fora da minha casa mesmo dentro dela, não adianta nenhum gracejo, nenhum chocolate, nenhum dengo. Nada vai me fazer me sentir parte do todo se o todo não estiver em mim. Eu me sinto excluída porque me excluíram e me sinto mais excluída porque eu mesma me excluo: se não me aceitam, então pra que lutar contra a maré?

As pessoas excluem aqueles que são diferentes, é uma lei natural. Quando eu era criança, eu observava a criação de pequenos pássaros. Toda vez que em um grupo de pintinhos nascia um pintinho deformado, os outros o atacavam até matá-lo. Dizemos que é a seleção natural, que é a vida mostrando a sua força. Os mais fortes sobrepujando os mais fracos. Então é natural que também excluamos, certo? Tão certo quanto assumir que estatísticas definem um indivíduo. Espera aí, somos seres pensantes, somos seres de compaixão... Ou não? Então tudo bem que qualquer característica nos faça diferente dos outros? É certo excluir o outro, ou a nós mesmos por um título, um perfil ou qualidade?

Sou ainda a mesma, luto pelas mesmas coisas de sempre. Mas, eu não estou nem lá nem cá. Estou do meu próprio lado. Não sou 'eles' e também não sou 'a gente'. Eu sou mais um que tenta sobreviver e ganhar o meu. Egoísta? Apartidário? Radical? Elitista? Who cares? Eu gosto de estar misturada, gosto da diversidade, gosto de gente. Tem gente de abraço, então eu abraço. Tem gente de beijo, então eu beijo. Tem gente de não me toque, então não me rele. Ora, intimidade é a gente que faz. Não há que se forçar. Mas, não venha tapar o sol com a peneira. Fechou a porta, então não abra a fresta para me espiar. Excluiu, discriminou, 'preconceituou', então não venha me pedir café nem cafuné.

Me inclua fora dessa. 


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