O que aconteceu com as panelas?

Por Paulo V. Milreu, que é manipulável e nunca bateu em uma panela

171 Todo Dia

Terça, 31 De Maio De 2016 ás 09:00

Este 171 é só um desabafo, curto e rápido, sobre os textos que escrevi sobre política aqui no Esfarelado. Foram no contexto do processo de impeachment ou do golpe, conforme queiram. Bom, depois das gravações do Jucá, fica difícil para alguém dizer que a tese – defendida também aqui – de que a oposição com apoio da mídia estava se aproveitando do péssimo governo petista para tomar o poder e que as tais pedaladas eram pretexto. O que não era tão óbvio e agora ficou escancarado era que não se tratava só de chegar ao poder sem ter que vencer uma eleição, mas também de parar a Operação Lava Jato, que heroicamente – e até surpreendentemente – continua vazando ligações e mais ligações comprometedoras e cada vez mais tem pinta de ser uma investigação independente – serei inocente ou só esperançoso?

Pois bem, Dilma ainda não foi impedida, ainda resta o rito no senado, uma eventual defesa agora facilitada pelos eventos recentes. Mas é insano acreditar que uma nova reviravolta possa ocorrer, ainda mais quando a corja que habita o nosso congresso é bem conhecida e nos áudios já ficou explícito que ela não conta com nenhuma simpatia. Inclusive por ter cometido o erro de não parar a Lava Jato. Eu, sinceramente, acho que esse foi um dos poucos acertos. E nem sei se foi um acerto voluntário, acho que houveram tentativas mas demonstraram também ai incompetência.

Portanto, olhemos para o “novo” governo, a solução Temer, aquele que vem para limpar o Brasil, para nos livrar do mal petista e apontar para a luz. OK, na verdade eu sei que a maioria dos que se manifestaram a favor do impeachment de Dilma diziam que não haviam sido eles quem tinham votado em Temer e o colocado lá – mas eles também diziam que Dilma seria apenas a primeira. Já a grande mídia (leia-se os grupos que controlam Globo, Folha/UOL e Estadão) essa sim vendeu Temer como solução, vejam as capas de “Isto É”, “O Globo” e “Veja” no período pré-votação na Câmara.

Voltando, quanto ao novo governo, eu já fiquei estarrecido com a nomeação do ministério. Não pelo fato de não haver mulheres, apesar de reprovar. Mas, sim, pelo contexto de uma nomeação de tantos políticos envolvidos em escândalos e investigações. Ora, se a corrupção da Lava-Jato – apesar de não ter vínculo direto com o argumento pró-impeachment – foi o grande motor das manifestações, é um tapa na nossa cara fazer uma nomeação dessas, chamando nomes sujos e os elogiando em público, pela sua capacidade de articulação e isso ou aquilo. Vejam que apesar da repercussão negativa, não se chegou aos pés do que houve quando Lula havia sido nomeado – e eu também reprovo a nomeação do ex-presidente para ministro, como já disse em textos anteriores, mas a indignação seletiva também é reprovável. Reprovo o fato de Temer não ter nem sequer cogitado um ministério de novos nomes, mais movido pela competência para a pasta do que para a governabilidade, que ele poderia buscar com um diálogo aberto com a sociedade e uma mobilização social para as medidas necessárias que teremos que enfrentar. Mas não, já se nasce corrompido. Não há tentativa, nem que seja utópica, de se fazer o certo.

Pois bem, deu no que deu, Jucá ficou menos de quinze dias no cargo, pego como foi expondo a conspiração que revelava os reais motivos por trás da votação, que foi conduzida por um gângster (como foi chamado no dia da votação por um dos seus colegas) para, assim que concluída, ver o seu líder ser removido do cargo para apaziguar a situação, ainda que sabidamente com poder decisório junto ao novo presidente. Como o STF consegue argumentar o atraso providencial na votação da cassação de Cunha é inexplicável. Não há pauta mais relevante. E não há situação mais absurda do que afastá-lo logo em seguida a ele ter cumprido a missão, a não ser dar outro tapa na nossa cara, desta vez cuspindo na gente às gargalhadas e gritando “trouxas”.

Tudo bem, podem argumentar que mesmo quem defendia o impeachment sabia que Temer e sua corja não era flor que se cheire. Não dá mais para falar que não era golpe, mas ainda dá para dizer que ao menos conseguimos nos livrar do PT. Mas, se a parada toda é contra a corrupção, então não dá para ficar em casa com um ministro do planejamento recém-empossado (e briefado pelo chefe) que diz que a meta é parar as investigações da Lava Jato. Se essa é a nova meta, então porque tirar o corrupto PT? É porque nem para isso eles estavam sendo competentes ou porque não era a meta dela, Dilma, interromper a Lava Jato?

De qualquer forma, não importa, pois as gravações continuaram vazando e chegou-se a conclusão de que não sobram 6. A corrupção é sistêmica e na prática já vivemos um parlamentarismo e do pior tipo, com uma Câmara corrupta. Dilma não pôde governar em seu segundo mandato pois o Congresso não quis, nada passava, Cunha bloqueou qualquer chance. É o preço que se paga por fazer um primeiro governo tão ruim e pobre em todos os sentidos, inclusive nos conchavos e arranjos. Basta ver a mudança de postura com Temer, que conseguiu aprovar rapidamente um pacote econômico com um arrocho dobrado em relação àquele que foi solicitado e reprovado por Dilma, por ser arrochado demais.

Tudo isso não é ainda o meu ponto. O meu ponto é a politização da população. Conforme foi a profecia, criou-se um Fla x Flu político, em que era eles contra nós, o PT contra quem é de bem. E essa polarização só favoreceu a quem não queria pensar e olhar, comprando argumentos fáceis e se vestindo para lutar contra a corrupção – quem não quer? Quem é a favor da corrupção? Quem não quer salvar o Brasil? Quem não quer uma vida melhor? Ao vender esses argumentos de uma forma simplificada e sem passar contexto e nem intenções, criou-se uma massa que foi às ruas, bateu panelas, não se abriu para o diálogo ou para eventuais manipulações maquiavélicas. E ganharam o jogo! Mas e agora? E agora que a Globo dá ampla cobertura ao estupro coletivo e só fala nisso – e é um assunto que merece pauta, não me entendam mal – e não dá mais aquele mesmo foco de antes, com cobertura 24 horas, interrupções durante a programação… vejam a capa dos grandes portais, as capas das grandes revistas. Ou melhor, vejam o seu próprio Facebook. Concorda que os assuntos políticos ainda pipocam, mas com muito menos intensidade do que antes? E a tendência é isso diminuir ainda mais, acompanhem. Agora é hora de acreditar, de deixar pequenos problemas de lado para que tenhamos um futuro melhor, é hora de assumirmos certos sacrifícios, nós das classes B para baixo, para que o Brasil encontre seu rumo. E é assim que vamos ser pautados.

Portanto, me desculpem, mas se para ir para as ruas dependemos de alguém que organize um movimento, ou se para publicar o que pensamos precisamos de um post pronto para só compartilharmos, então somos sim manipuláveis. E servimos a objetivos que não são 100% nossos.

Leia também:

Um farelo sobre política OU O caminho da defesa da democracia e da anticorrupção passa pelas ruas. O do golpe também.

Brasil tão brasileiro

P
ublicado originalmente aqui.

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