Quanto você vale?

Por Paulo V. Milreu (http://esfarelado.com)

171 Todo Dia

Terça, 27 De Janeiro De 2015 ás 08:30

Quanto você vale?

Quanto você vale?

Ah, o bom e velho consumismo, o capitalismo, o ter para ser. Quanto você vale? Você vale o seu salário ao fim do mês? Vale o seu patrimônio dividido em imóveis, veículos e outros bens duráveis ou de consumo e mais seus investimentos financeiros? Vale o preço do carro parado na garagem, cujo documento tem seu nome? Vale a roupa mais bonita do seu guarda-roupas? Vale o sapato capaz de deixar todas as outras admirando seu poder? Vale um iPhone 6? Um Google glass? Um X-Box One? Uma TV 4K, com óculos 3D e curvada? Vale o que paga à vista ou vale o tamanho do seu crédito?

Sei que é difícil a gente admitir, assim quando dito dessa forma seca e direta, que essas coisas têm valor para nós e, até certa medida, nos definem. Para muitos não é assim, mas temo que assim o seja para a maioria. Vivemos neste mundo infeliz, competitivo, frio e imbecil em que somos julgados por aquilo que temos. E, o que é ainda mais triste, aplicamos a mesma fita métrica a nós mesmos. Afinal, temos mesmo algum motivo para achar que somos menores do que alguém? Estamos neste mundo para competir? Se sim, quem é o juiz? Quem define quem ganha e quem perde? É tão claro assim que as regras para definir o vitorioso são baseadas na posse de objetos, tais quais os mencionados no primeiro parágrafo desse texto?

Eu estava observando os carros e o trânsito em uma grande avenida. As pessoas vestem seu carro por status. Carros muito caros. Carros muito grandes. Carros muito espalhafatosos. Vale tudo para deixar sua marca, se impor, mostrar quem se é, chamar a atenção. Imagino que as grandes avenidas, em um fim de semana, substituíram os antigos bailes nos grandes salões de festa, como o momento em que nos apresentamos à sociedade, em que demonstramos todo nosso galanteio, nossa habilidade na dança, nosso glamour. Ao invés disso, um desfile de aço e borracha, buzinas e xingamentos, ultrapassagens e manobras arriscadas, desrespeito e abusos. Mas o mesmo objetivo sendo cumprido: pessoas satisfazendo sua necessidade de afirmação, de atenção.

O nosso carro é praticamente o equivalente ao nome de família de antigamente, que automaticamente te classificaria como um nobre ou um plebeu, um príncipe, um duque, um burguês, um artesão. Usa transporta público, é pé rapado ou estudante, depende da idade da pessoa. Carro velho? Pão duro ou colecionador, depende da idade (e modelo) do veículo. Moto, é pobre. Moto Harley-Davidson, é rico. Carro popular, 0KM ou usado, é classe média. Carrão importado, é rico. O nosso carro diz quem a gente é. Ou quem a gente quer ser, o que explica aquelas pessoas que tem o carro que o classifica como isso, ainda que ele, na verdade, seja aquilo. E a que preço? Ao preço de muito dinheiro, na forma de juros impagáveis e da conta sempre no vermelho, mas o que importa é o que (a)parece e não o que é.

Como eu disse antes, não acho que estamos no mundo para competir. E nem para julgar. Esse texto não é acusatório e, Deus me livre, eu não sou melhor do que ninguém. Cada um vive como quer, ainda bem. Eu confesso que não gosto desta fita métrica, a do “ter”, para entender as pessoas. Acho que todos temos valor e que esse valor não tem a ver com algo que possa ser medido com moedas. Eu ando a pé – ou de táxi, ou de carona. E não vou sentir que sou melhor quando eu comprar um carro. E nem que eu sou pior se decidir nunca compra-lo. Eu acredito que meu valor tem mais a ver com o que eu penso e faço, e com o respeito com que lido com a vida dos outros (e não só com os outros humanos), do que com a forma como eu me locomovo pela cidade.

Fico triste com isso. O capital oprime, separa as pessoas, gera inveja e ganância e consegue fazer com que pessoas maravilhosas não se sintam à vontade, por exemplo, de entrar em uma loja mais “requintada”. Se sentem incomodadas por não terem o poder de consumir. Por sentirem que podem ser humilhadas ao verem o preço absurdo dos produtos aos quais nunca vão poder comprar. Eu mesmo volta e meia me sinto assim, até mesmo com coisas prosaicas – e que eu até consumo – como as lojas de cápsulas de café. Mas se eu não pudesse consumir cápsulas de café eu seria exatamente a mesma pessoa. E café coado é também muito bom!

Pois eu quero concluir o 171 de hoje conclamando a todos nós para não mais nos sentirmos assim, pois, na verdade, quando nos sentimos mal conosco por não podermos consumir algo estamos admitindo, por mais que neguemos, que nosso valor tem a ver com o quanto ganhamos. Não podemos admitir isso de nós mesmos. Isso é muito pouco, independente de quanto seja. Somos mais, valemos mais e quebrar esse sentimento conosco é a melhor forma de quebra-lo com o resto do mundo e passarmos a ver nos outros seus verdadeiros valores.

Publicado originalmente aqui.

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