Vestindo os sapatos alheios

por Misha Gibson, que desconfia de si mesma

171 Todo Dia

Terça, 03 De Março De 2015 ás 06:00

Vestindo os sapatos alheios

Créditos: vivimello2.blogspot.com

Vestindo os sapatos alheios

Sempre gostei do termo 'put yourself in someone's shoes', que significa colocar-se no lugar do outro. A figura de linguagem é linda, me remete aos tempos de criança, ao experimentar os sapatos da mãe ou do pai. Meu pequeno ainda faz isso. Eu acho deslumbrante, é uma aventura pensar o que este pedacinho de gente vai ser quando crescer. Ou mesmo imaginar o que ele pensa ao vestir os sapatos dos adultos. O que eu tenho certeza é que ele está, assim como eu estive na minha infância, querendo brincar de ser gente grande, ou até de ser outra pessoa grande.

Mas, a verdade é que se colocar na posição do outro é fundamental para se ter empatia. E ter empatia é fundamental para se ter relações de qualidade. Perceber o outro, olhar para além de si mesmo. Da mesma maneira que gostaríamos que se importassem conosco (reciprocidade sempre...) é importante que tenhamos um certo radar para ver um olhar mais tristonho, ou perdido no horizonte.  A gente não deve passar pelas pessoas como se elas fossem fantasmas, como se não as percebêssemos. Um simples aceno pode fazer a diferença para uma pessoa. Não é apenas uma frase de efeito, é uma constatação de verdade.

Eu sou muito transparente, talvez até mais do que seria o saudável. Eu não sei muito disfarçar minhas emoções e muitas vezes os meus problemas são resolvidos enquanto converso com alguém a respeito deles. Ora alguém me ajuda, ora eu acho a solução enquanto falo. Não sei ser diferente, ninguém é obrigado a entender meu mau humor ou minhas irritações. E, mea-culpa, algumas vezes eu até desconto em patadas em quem não tem nada a ver com o meu problema. 

Eu ainda me espanto quando vejo uma pessoa tão ostrinha que não consegue dividir o fardo que carrega em si. Eu tento entender que existem pessoas diferentes de mim, eu tento vestir os sapatos da pessoa. É muito difícil não julgar, não tentar fazer a pessoa falar, não me envolver, não me compadecer.

Só que exatamente este sentimento de compaixão plantou uma dúvida em mim. O quanto disto não é um modo de me sentir importante? O quanto de soberba existe no sentimento de compadecimento? O quanto é esnobe experimentar os sapatos de outrem? O quanto disso não é apenas uma maneira disfarçada de julgar, de condenar, apartar e discriminar?

Não é que eu duvide de toda empatia. Nem é que eu eu recrimine o voluntariado. Mas, se a gente parte do princípio de que queremos nos sentir bem praticando a empatia, o quanto a doação soa falsificada? O quanto a gente não faz o bem para outras pessoas somente para ficar com a consciência tranquila, apenas para deitar a cabeça no travesseiro e dizer que fizemos a  nossa parte? O quanto a minha vontade de ajudar a pessoa não é pura e simplesmente a ânsia de ser especial para ela, de fazer com que ela me admire?

Esses dias, eu vi uma pessoa querida precisando de apoio. Infelizmente, ela não me pediu ajuda. Não me deixou entrar mais um pouquinho no seu mundinho. Mas, pensando que eu não posso cultivar a vaidade, eu me mantive afastada. Aos olhos da pessoa, eu respeitei a sua vontade de não falar. Aos meus olhos, eu fiz menos do que eu queria e poderia. Aos olhos de outras pessoas, eu fiz o que pude fazer. Mesmo assim, é duro dormir com com as dores de se sentir incapaz de ajudar e de ser menos do que gostaria de ser.

Veste aqui meus sapatos, veja se lhe convém. 


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