Manifesto da futilidade virtual

por Misha Gibson, black block digital

171 Todo Dia

Terça, 24 De Junho De 2014 ás 06:00

Manifesto da futilidade virtual

Manifesto da futilidade virtual

Dia desses um conhecido postou um clipe de uma música na sua linha do tempo do facebook. Bom, perfil de facebook, que é público, é sempre um convite para acessar e como gosto de descobrir novos sons e saber o que as pessoas de meu convívio escutam, resolvi assistir o clipe. Achei interessantíssimo, com um quê de indie, blues e todas aquelas coisas inocentes que pessoas que acreditam em seu trabalho artístico querem mostrar. Curti.

Corta.
Outra cena.

"Ai, menina! Você não sabe da última! Sabe a Joana? Então, encontrei por acaso na rua e ela estava tão feliz... Ela estava com a mãe e me falou do namorado. Lembra dele, aquele guri da faculdade que ela gostava, o Pedro... Então, ela falou dele na frente da mãe! Ela contou pra mãe, finalmente! Também, agora que ele assumiu que namora ela..."

"Ah, nossa! Mas, como assim, ele assumiu o namoro? Ele falou com os pais dela?"

"Que nada! Ele mudou o status de relacionamento para 'Em relacionamento sério'... Imagina, assumiu assim, publicamente. A Joana estava toda feliz por causa disso. Pensa na emoção dela...!"

Corta.

Volta aqui para a minha conversa inicial. Aí um dia queria escutar a música de novo, procurar sobre a banda. Fui lá na linha do tempo do meu conhecido. Cadê o post? Sumiu. Essa tal de tecnologia nos prega umas peças, né? O facebook sumiu com o post que eu curti. (Só que não.) Alguns dias depois, meu conhecido estava comentando animadamente numa roda de amigos o quanto a Dri era bacana, o quanto a Dri era descolada... Mas (e sempre tem um 'mas') que teria que jantar com ela, mais os pais dela, e como isso o afetava nas coisas que ele gostava de fazer uma vez que ela tinha ciúmes de umas amigas dele que ela não conhece.

Corta. Tempo presente:

Ainda estou esperando que o meu conhecido altere o seu status de solteiro convicto para 'em um relacionamento', ou o que quer que queira chamar o namoro. Quem sabe assim, assumindo o relacionamento, a Dri pare de ter ciúmes de gente que ela não conhece. Quem sabe assim meu conhecido se sinta livre para voltar a ter a sua própria linha do tempo, a sua própria vida, os seus próprios amigos e deixe de achar que a rede social serve mais para causar discórdia do que para unir. Se é assim, para quê manter? 

Quem sabe com um status de 'em um relacionamento' a Joana se sinta à vontade para contar, pra quem quer que seja, que o Pedro é um cara legal, que ele é só tímido e que ainda não está pronto para encarar os pais dela. Quem sabe assim ela se renda a emoções de verdade e o Pedro se sinta confortável o suficiente para estar nesta relação, afirmando em voz alta que a Joana é sua namorada.

Corta. Tempo mais que presente:

Sinto muito gente. Eu sou super a favor às redes sociais. Sou daquelas que morre para chegar em casa para ver o que meus amigos estão postando, o que estão curtindo e o que estão fazendo. Mas, eu ainda preciso da minha vida real. Gosto da rede para manter contato com quem eu não posso estar todo dia perto, ou mesmo para conhecer mais do mundo de quem está perto do coração. Para estar em um relacionamento sério não é necessário publicar em nenhum lugar. Eu não preciso que o meu namorado apague nenhuma publicação de gente que eu não conheça, contanto que ele esteja comigo e para mim. Relacionamento sério é mais do que uma publicação. Sou mais de dar as mãos na rua, beijar na boca quando tiver vontade, de viajar junto, de estar presente mesmo na ausência, de fazer planos e de ser aquela para quem ele quer falar as coisas do que ler sobre o meu relacionamento em um mural qualquer. Não sei dizer quando foi que isso aconteceu de a internet ser o termômetro de relacionamentos em geral. Parece que se não é publicado na rede não vale, não é público o suficiente. 

Nada contra mudar o status na rede, veja bem. Mas é mais para celebrar de uma única vez com quem me quer bem do que para dizer para o mundo que não sou mais solteira, ou pior, que ele não é mais solteiro.

Eu gosto de manter minhas redes sociais para as pessoas que eu realmente conheço. São raras as pessoas que eu adiciono e que não conheço de verdade. Eu preciso de realidade na minha vida virtual. Eu prefiro que as pessoas escrevam no meu mural se realmente me conhecem, me emocionam e trocam mais do que apenas palavras virtuais. Sei que tem gente que prefere que eu não escreva em suas linhas do tempo. Sei que tem gente que prefere que eu seja mais do que uma estatística e é para essas pessoas que me reservo para esclarecer meus posts enigmáticos. Para quem se interessa de verdade, meus posts não têm nada de meias palavras. Minha vida é pública para quem quiser ser público para mim.

É eu sei, é como se eu estivesse militando contra a futilidade e imediatismo. Mas se é assim, que seja por completo. Se desliga aí um pouco e me diz, olhando nos olhos, se a gente não perde mais da vida tendo uma vida virtual.


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