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Hoje é o segundo dia mais importante do calendário. É o dia dele. É um dia aguardado e festejado mesmo quando ele não merece tanto assim, porque ele merece sim. O moleque mais moleque, dengoso, carinhoso e desleixado que eu conheço. Como pode em um molecão como ele caber tanta doçura e tanto amor?

Como pode caber tanta birra, tanta marra, tantas palavras? E como fala! Onde cabe tanta certeza e tanta razão? Porque quem vê acha que é o dono do mundo, com suas histórias fantasiosas de gente que ele só viu pela internet. E como gosta de um vídeo! E como gosta de filme. E como é chato pra comer, agora deu para escolher o que come. Carne, sim. Arroz e feijão depois. Arroz, de monte. Feijão de colher de sobremesa. E como gosta de doce! Comida, não. Chocolate, a toda hora. E de repente, descobre que come errado porque não toma café-da-manhã. Não come quando acorda, mas bate um pratão às 9 horas se deixar.

E a gente sempre sabe por onde ele passou. O rastro de coisas no chão não deixa dúvidas. Livro, caderno, roupa, toalha, cartas de pokemon, carrinho, bola, brinquedo, caneta. Se está no chão, pode ter certeza que é dele. E como gosta de lixinho. Papelzinho, papel de bala, chiclete mascado, guardanapo picado, rótulo do shampoo, pilha usada, ponta de lápis, caneta gasta, garrafa de água, rolinho de papel higiênico, tampinha de garrafa, pedaços de barbante e caixas de papelão. Tudo vira brinquedo.

Já viu sapato voar? Eu já. Os que sempre voam são chinelos, porque sapato mesmo só tem um par: o da escola. O resto do tempo ou é de chinelo ou é de pé no chão. E isso eu nem posso falar nada, porque ele me vê sem sapatos e fala: você também está descalça!

E como não tem com quem falar, ele fala sozinho, discute sozinho, briga sozinho, dá risada da própria piada. Faz desenho nos papéis sulfites branquinhos, como se não tivesse vários cadernos para desenhar. E desenha a lápis preto, porque tem preguiça de pintar. Não tem paciência para pintar, origami, colagens nem recortes. Os álbuns de figurinhas sempre têm figurinhas tortas, ou até mesmo no lugar errado.

E tem amigos. Amigos de verdade, que ama e cuida e chama de irmão. E já tem seus amores, embora em suas palavras, seja muito novo para essas coisas. E eca, beijo agora só com muito custo.

Mas, ele ainda acompanha minhas amigas até a porta. Ainda cede o lugar para elas. Ainda liga 25 vezes quando eu saio sozinha. Ele vai ser um cavalheiro quando quiser ser. E vai me dar trabalho, quando for a hora.

Hoje é o dia em que me lembro de uma felicidade plena. De uma barriga que agora fica vazia sem aquela sementinha pulante. Hoje eu me lembro de como pedi para que tivesse cílios compridos, como eu pedi que fosse obediente, estudioso, esforçado. Acho que Alguém teve dó de mim e me deu cílios compridos. Mas, sem saber, me deu o que eu precisava. Um furacãozinho em forma de gente. Hoje é o dia dele.